O Val Gardena
Introdução geral
O Val Gardena está situado no coração das Dolomitas, com as suas características paredes rochosas verticais com vistas panorâmicas vertiginosas. Em 26 de junho de 2009 esta cadeia montanhosa foi incluída na lista do Património da Humanidade da Unesco pela sua singularidade e beleza paisagística. Em termos administrativos, o vale está incluído na Província autónoma de Bolzano, no Alto Adige - Sul do Tirol, na extremidade norte da República Italiana. A sul confina com a província autónoma de Trento, a sudeste com a Regione Veneto, a norte com a Áustria, a noroeste com a Suíça e a oeste com a Lombardia. Historicamente o território foi dominado por diversos impérios antes de integrar oficialmente a Itália em 1920. Efetivamente, a região fazia parte do Tirol, então parte do império Austro-húngaro e por esse motivo ainda hoje a maior parte da população local fala alemão. Não só a diversidade linguística como também a cultura tirolesa favoreceram o reconhecimento em 1972 do estatuto de autonomia da parte da República Italiana.
O Alto Adige definiu um modelo invejável de autonomia, ao qual aspiram não poucas populações minoritárias. Este modelo baseia-se na convivência pacífica entre os três diversos grupos linguísticos, o italiano, o alemão e o ladino. Fala-se ladino em todos os cinco vales em torno do maciço do Sella: no Val Gardena, no Val Badia, no Val di Fassa, em Ampesso e em Livinallongo. O ladino é uma língua neolatina, nascida da união entre a língua falada pelos réticos e o latim, difundido pelos romanos por volta de 15 a.C. Ao fim de alguns séculos, este idioma reto-romano era falado numa vasta parte do arco alpino. Ao longo dos anos desapareceu quase completamente devido à influência do alemão do norte e do italiano do sul. Ao contrário de todas as zonas dolomiticas, existem outras duas ilhas linguísticas reto-romanas, uma no cantão de Grigione, na Suíça, e a outra em Friuli Venezia Giulia. O ladino é utilizado pela maior parte dos habitantes de Val Gardena (cerca de 85-90%), que falam ainda alemão e italiano. Este domínio é possível graças a um sistema de ensino multilingue. Os alunos desde o primeiro dia de escola aprendem a estudas as várias matérias em italiano, em alemão e em ladino. Existem assim diversas associações culturais que promovem o estudo, o uso e a divulgação do ladino. Estes idiomas são utilizados ativamente na redação de jornais, de programas televisivos e radiofónicos e com a elaboração e recolha de livros e de vocabulário ou ainda com a organização de concertos, exibições e espetáculos vários. Os vales são assim oficialmente trilingues como se pode facilmente observar pelas indicações toponímicas que são sempre apresentadas nas três linguas.
As primeiras povoações
As primeiras povoações humanas no Val Gardena remontam à pré-história. Achados como pontas de flechas, agulhas e outros utensílios, encontrados no sopé do maciço do Sella testemunham a presença de vida por volta de 6000 a.C. Estes objetos pertenciam provavelmente a caçadores nómadas que passavam no vale os meses de verão em busca de alimento. Outras descobertas importantes provêm de "Col de Flam", acima de Ortisei e incluem machados de ferro, fíbulas de bronze, jóias, espadas gaulesas e outros utensílios datados de 400 a.C.
A primeira população sedentária em Val Gardena foi a dos Retos. Em 15 a.C. o general romano Druso conquistou as regiões alpinas e obrigou os retos a refugiar-se nos vales de penetração mais difícil. A origem precisa desta população é ainda incerta: deve-se tratar de pequenos grupos de lígures, ilírio-venetos, etruscos, gauleses e povos nórdicos a quem os romanos dado esta denominação.
A origem do nome
O nome do Val Gardena deriva do latim "forestum at Gredine" e significa "floresta em Val Gardena". Esta denominação provém de um documento de 999 d.C. que atesta a doação oficial da parte do conde de Nurenberga, Otto von Andechs a favor do bispo Gottschalk di Freising. É interessante o motivo desta doação: nesses tempos acreditava-se que no ano 1000 teria lugar o fim do mundo, pelo aqueles que detinham bens materiais doavam parte à Igreja na esperança de receber uma recompensa após a morte.
A geografia
O Val Gardena é um vale lateral do Val d'Isarco e estende-se de leste para oeste ao longo de 25 km. A sua altitude vai de 2244 m do Passo Sella até 471 m em Ponte Gardena. Pontives marca a fronteira linguística alemão-ladino e também o início efetivo do Val Gardena propriamente dito. O vale é percorrido pelo rio Gardena (al. Grödner Bach. lad. Derjon), que nasce no Passo Sella e junta-se ao Isarco em Ponte Gardena. São três os municípios de Val Gardena: Ortisei (al. St. Ulrich, lad. Urtijëi), S. Cristina (al. St. Christina, lad. S. Crestina) e Selva (al. Wolkenstein, lad. Sëlva). Le frazioni di Bulla (al. Pufels, lad. Bulla), Roncadizza (al. Runggaditsch, lad. Runcadic) e Oltretorrente (al. Überwasser, lad. Sureghes) fazem parte do município de Castelrotto (al. Kastelruth, lad. Ciastel), mas em termos linguísticos e geográficos fazem parte do Val Gardena.
Ortisei é a principal localidade do Val Gardena e contém 6000 habitantes. Esta região possui uma história rica e longa na tradição comercial dos produtos artesanais em madeira e quatro igrejas importantes: a igreja medieval de S. Giacomo, a de S. Antonio na praça homónima, a de S. Anna no interior do cemitério e a de S. Ulderico. Dado o constante aumento demográfico da paróquia principal de San Ulderico fundada em 1342, foi totalmente reconstruída em 1793 sobretudo graças à generosidade dos habitantes mais abastados da região. A igreja foi enriquecida com alfaias e ornamentos executados pelos melhores artistas e artesãos do vale.
S. Cristina é o município geograficamente situado a meio do vale. Com cerca de 1900 habitantes é que tem menos habitantes. Está situado precisamente frente à montanha, símbolo do Val Gardena, o majestoso maciço do Sassolungo (3181 m), procurado todos os anos por numerosos montanhistas. A construção em 2009 de uma circunvalação permitiu afastar o trânsito do centro do país, permitindo assim aos habitantes locais e aos numerosos turistas viver com mais serenidade e conforto.
Selva di Val Gardena encontra-se a 1563 m de altitude e reúne uma população de cerca de 2600 habitantes. A partir de Selva pode-se observar o maciço do Sella, de Sassolungo e de Puez e é um dos destinos turísticos mais procurados, tanto de inverno como de verão. Confina a leste com os dois vales que constituem o grupo do Sella e incluem os outros dois vales ladinos: o Val Baldia a través do passo Gardena e no Val di Fassa através do passo Sella.
O clima
Em Val Gardena predomina um clima intermédio relativamente à sua altitude graças à influência do clima temperado do Val d'Isarco. O período mais solarengo é o mês de julho, quando as temperaturas mais elevadas rondam os 25 °C, ainda assim o vale está bem protegido do ambiente sufocante presente nalguns vales mais baixos. Os meses estivais mais quentes são julho e agosto e o outono é geralmente mais suave que a primavera. Os meses de novembro e de dezembro são moderadamente frios e com pouca precipitação. O inverno é caracterizado por neve abundante e por dias frios e secos, mas predominantemente com sol. Janeiro é o mês mais frio do ano, muito embora em fevereiro a queda de neve é decididamente mais frequente. Estando o vale exposto apenas a oeste, encontra-se bem protegido dos ventos frios provenientes do norte. A montanha de Seceda, a de Odle e o Puez constituem uma barreira natural do vale e os dias enublados ou ventosos são uma autêntica raridade. Contudo, não vamos minimizar as desvantagens climáticas da altitude: a primavera começa um considerável atraso e quando, por exemplo em Ortisei florescem as primeiras árvores, em Bolzano já se podem colher as cerejas. As casas são construídas num território localizado entre os 1150 m e os 1700 m de altitude, mas as que se encontram no lado da sombra do vale estão particularmente desfavorecidas. A exposição ao sol é efetivamente um fator que pode afetar muito mais que a altitude. As condições climáticas do vale não permitem a cultura de cereais tais como o trigo, centeio ou a aveia, por isso as áreas de exploração agrícola consistem quase exclusivamente de prados e pastagens. O Val Gardena está mais adaptado à criação de gado graças ao excelente feno que, colhido em altitude é também utilizado para os banhos de feno. A localidade onde historicamente esta atividade está mais difundida é no Alpe di Siusi, o planalto mais extenso da Europa.
O bosque recobre ainda hoje grandes áreas das faldas do vale, sobretudo no município de Ortisei. Como no resto de todo o Alto Adige, trata-se de um bosque de coníferas. As árvores de folha larga são bastante raras e as poucas que se encontram crescem na vizinhança do Rio Gardena. O bosque estende-se até cerca dos 2100-2150 m, perto dos 2300 m de altitude encontram-se apenas árvores de pequeno porte. Geralmente predominam os abetos e lariços, mas podem também encontrar-se abetos e pinheiros.
Turismo e artesanato
O setor que dinamiza a economia de Val Gardena é o turismo, mas mantém a sua importância o setor do artesanato tradicional em madeira. São precisamente estes dois fatores que fizeram emergir o Val Gardena tornando-o famoso em todo o mundo. A beleza das montanhas e as ótimas infraestruturas turísticas permitem, de verão ou de inverno, apreciar um período de férias entre o desporto e a natureza. Durante o inverno o vale oferece uma infinidade de instalações para praticar ski alpino e pistas para ski de fundo. De verão o cenário é ideal para caminhar, fazer excursões, escalada ou percursos em bicicleta de montanha.
Contudo as origens históricas da prosperidade do Val Gardena residem na escultura e nos trabalhos de entalhe em madeira. Durante vários séculos estes setores têm ocupado várias famílias de Val Gardena e atualmente existem ainda várias empresas, escultores independentes e escolas de arte e profissionais que prosseguem com esta atividade de que tanto nos orgulhamos em Val Gardena. Os objetos em madeira da Val Gardena são conhecidos em todo o mundo, quando se fala em esculturas em madeira não se pode evitar falar do Val Gardena. A beleza e singularidade dos produtos de Val Gardena é testemunhada de que uma tradição bem cultivada pode tornar-se sinónimo de qualidade. Com a madeira do vale faz-se de tudo: figuras sacras como Nossas Senhoras, crucifixos, presépios, santos, anjos e pias de água benta ou figuras profanas, como animais, esquiadores, máscaras, palhaços, personagens históricas ou famosas; a estes juntam-se objetos de design como cadeiras, mesas, espelhos, candeeiros, quebra-nozes e outros tipos de artigos diversos.
O ladino e o Museu
Como já foi referido, o ladino é a língua mais antiga do arco alpino, nascida da fusão entre a cultura céltica dos Retos e a dos romanos e as suas raízes remontam ao século I d.C. As diversas fases de migração das populações ameaçaram gravemente a língua que, felizmente, sobreviveu nalguns vales secundários: o Val Gardena, o Val Badia, o Val di Fassa, o vale de Livinallongo, a zona de Cortina d'Ampezzo e também em Friuli-Venezia Giulia, no cantão de Grigioni, na Suíça. A língua ladina é uma das características mais distintivas do Val Gardena e tem suscitado o interesse de muitos linguistas. Embora possa parecer semelhante ao italiano, na realidade é um idioma com ortografia, léxico e pronúncia muito diversas do italiano. Além disso teve origem mil anos antes da língua italiana e não é um dialeto como alguns pensam ainda erradamente. Ingelizmente, o moderno progresso tecnológico obrigou os habitantes de Val Gardena a utilizar palavras de outras línguas para descrever os novos conceitos e novos objetos que até então eram desconhecidos da pequena população gardenense. A maior parte das palavras que foram assimiladas provêm do alemão, do italiano ou do inglês e implica um inevitável empobrecimento da desta língua. É interessante verificar que, graças ao ladino, os habitantes locais conseguem aprender outras línguas com mais facilidade e maior rapidez. Entre os primeiros a testemunhar este facto encontra-se o famoso trovador Oswald von Wolkenstein, no seu constante deambular foi beneficiado pelo conhecimento da língua ladina para aprender as outras línguas neolatinas.
O primeiro a interessar-se em termos filológicos pela língua ladina foi o pároco de Ortisei, J. A. Vian, originário do Val di Fassa. Procedeu a uma pesquisa aprofundada da gramática e do léxico ladino e recolheu num livro as expressões idiomáticas do ladino. O seu trabalho constituiu o ponto de partida para o trabalho de tantos outros estudiosos; hoje a língua ladina é reconhecida unanimemente como tal e milhares de termos estão traduzidos e explicados no vocabulário ladino-gardense. Estima-se que 80% das palavras latinas são originárias do latim vulgar, 15% do germânico e o restante do antigo idioma rético. Os testemunhos da cultura e da tradição ladina podem ser hoje observados no Museo della Val Gardena, em Ortisei. Inaugurado em 1960 em Cësa di Ladins (Casa dos Ladinos), apresenta interessantes coleções que documentam a evolução da arte de entalhar madeira desde o século XVI até à atualidade, e ainda as descobertas geológicas e arqueológicas da zona dolomítica. Uma exposição permanente ilustra e comemora a vida aventurosa do famoso cineasta e alpinista de Val Gardena Luís Trenker (1892-1990). O museu promove numerosos eventos culturais e ainda atividades de pesquisa histórica e científica. Ainda assim, o mérito desta instituição museológica deve-se à Union di Ladins de Gherdëina (União dos Ladinos de Gardena) uma organização sem fins lucrativos fundada em 1946 e que faz parte da Union Generela di Ladins dla Dolomites (União Geral dos Ladinos das Dolomites), a mais importante associação cultural de toda a região. A Union di Ladins de Gherdëina (União dos Ladinos de Gardena) apoia a língua e a cultura ladina oeprando no campo da informação televisiva e radiofónica, e ainda através de publicações, exposições, concertos e representações teatrais.
O artesanato de Val Gardena
História do artesanato de Val Gardena
Para compreender a natureza e o caráter da arte de Val Gardena é necessário conhecer este vale com vastos bosques e sugestivo pelas suas esplêndidas rochas dolomíticas. Esta deu origem a uma florescente indústria doméstica com a produção de brinquedos e de arte sacra e profana que atravessou os confins da Itália e da Europa e conquistou fama mundial.
A escultura em madeira nasceu graças à criatividade dos habitantes locais e à urgente necessidade de ter uma ocupação de inverno que pudesse de alguma forma compensar a fraca fertilidade dos terrenos e insuficiente produtividade das quintas. A produção de figuras em madeira começou no século XVII e desenvolveu-se desde o modelo mais básico de artesanato doméstico até ao fabrico em série e industrial. Durante esta evolução nunca se desleixou a procura da originalidade e da máxima qualidade do produto manufaturado ao longo de gerações de artistas artesãos.
A forma inicial de artesanato doméstico em interligação com a agricultura
A economia de subsistência nos masi (explorações agrícolas familiares) da montanha foi, até 1800 ou mesmo até ao século passado, a base da sobrevivência da população local.
O terreno do vale, posicionado a uma altitude bastante elevada, que vai desde 1150 em Ortisei a 1700/1800 m nas masi mais altas de Selva não é particularmente fértil. Pelo contrário, a terra dá frutos durante um período relativamente curto; os invernos são frios e nos anos maus era necessário desenterrar as batatas e os nabos do meio da neve com picaretas. No vale não crescem cereais e não existem condições para a cultura da vinha ou de outros tipos de frutos. Até à metade do século XIX, a pecuária foi, como de costume nos vales montanhosos, o setor económico fundamental para a maior parte dos habitantes.
O trabalho artesanal doméstico representava inicialmente uma fatia muito pequena dos rendimentos das famílias de Val Gardena e o trabalho nos campos não era particularmente rentável, sendo praticado quase exclusivamente para o consumo próprio; Normalmente criavam-se vacas leiteiras, bois e nalgumas partes também porcos. A população era então bastante pobre, mesmo apesar de o artesanato ajudava a que em Val Gardena se vivesse melhor do que nos vales vizinhos.
Os produtos que os agricultores produziam eram vendidos ou trocados por alimentos ou ferramentas. Tal como acontece com frequência nas aldeias de montanha, o dinheiro vivo era raro, daí a necessidade de produzir artesanalmente alguns produtos que se pudessem vender no mercado. Uma destas atividades consiste na produção de loden, um tipo especial de feltro que era utilizado para elaborar roupas características da cultura bávara-tirolesa. No século XVI, o loden de Val Gardena era o mais valioso e o mais disseminado do Tirol.
Só no século XVII é que as mulheres e as raparigas do vale começaram a trabalhar renda de bilros e os homens a esculpir madeira.
Produção de renda de bilros
Até ao início do século XIX, a renda de bilros tinha grande importância para a economia do vale. Toda a população feminina, desde as raparigas de sete anos até às avós de oitenta anos, se dedicava a este tipo de trabalho. A grande habilidade em manipular os bilros alcançada pelas mulheres explica a razão dos trajes tradicionais de Val Gardena serem tão ricamente ornamentados e decorados até aos mínimos detalhes.
Durante dosi séculos a confeção de rendas garatiu às famílias um rendimento adicional considerável. Mas já por volta de 1830 só as mulheres mais idosas praticavam ainda esta arte. Os fatores que levaram ao declínio desta atividade residem na crescente concorrência das rendas mais baratas provenientes de outras zonas, a separação do Tirol em 1810 e consequente dificuldade em encontrar mercados de escoamento e sobretudo o crescimento exponencial na exportação de esculturas em madeira artesanais.
A escultura em madeira artesanal
É muito difícil estabelecer com precisão a data de início da escultura enquanto atividade em Val Gardena, provavelmente trata-se de um processo que teve a sua origem no início do século XVII. Os primeiros documentos são de 1625 e referem-seao escultor Christian Trebinger que, juntamente com os irmãos Bartolomeo, Domenico e Antonio se especializaram na produção de objetos ornamentais esculpidos, molsuras e suportes para relógios e consolas. Graças a estes artesãos nasceu a famosa dinastia dos Trebinger, e também se ficou a dever a Melchiorre Vinazer, de Santa Cristina, o início da longa atividade da família Vinazer.
Melchiorre Vinazer nasceu em 11 de setembro de 1622 e em 1650 obtém o diploma de escultor após um período de aprendizagem com o mestre Rafael Barath na vizinha Bressanone. Seis dos filhos de Melchiorre tornaram-se escultores: alguns aperfeiçoaram a sua técnica viajando e visitando cidades como Roma, Veneza e Viena.
Durante este período, a escultura em madeira não era ainda uma atividade muito difundida no vale e o mérito da promoção da tradicional escultura em madeira de Val Gardena cabe às duas famílias Trebinger e Vinazer. Os estudos e o aperfeiçoamento junto de mestres escultores e em academias de arte levados a cabo pelos membros destas famílias foram fundamentais para a definição da identidade cultural do artesanato de Val Gardena.
Ao longo dos anos o número de escultores começou a crescer e na segunda metade do século XVII o vale contava com 50 artesãos. Realizavam verdadeiras obras de arte que eram encomendadas especialmente para as igrejas.
À medida que muitas famílias camponesas tomaram consciência da possibilidade da escultura representar uma importante fonte de rendimentos viraram-se para a produção de objetos em série, tanto sacros como profanos. Como não podiam apresentar um título como mestre artesão, procuraram especializar-se na produção de brinquedos ou de pequenas figuras de presépio.
No entanto a venda de obras de arte por encomenda estagnou enquanto a exportação de figuras em madeira e de brinquedos se expandia mesmo além dos confins do Tirol. Em 1680, exportava-se principalmente para Veneza, Génova, Lisboa, Viena, Graz, Estugarda, Dusseldorf, Colónia, Francoforte e outras grandes cidades europeias.
Em 1788 viveu-se um curto período de crise devido a uma intervenção do regime austríaco: um decreto oficial de Innsbruck ordenou a diminuição do número de escultores de 300 para 150, a fim de preservar a floresta de Rasciesa que nos anos precedentes tinha sido alvo de uma desflorestação indiscriminada.
Os habitantes de Val Gardena foram surpreendidos e sentiram-se indignados, tendo o município de Ortisei apresentado como proposta o pagamento da parte dos escultores da madeira condumida. A ideia teve grande sucesso e o governo austríaco recuou e retirou o decreto como solicitado pelos habitantes de Val Gardena.
Os brinquedos de madeira, chiena em ladino, representavam a principal atividade económica nos finais do século XVIII. Lamentavelmente são poucos os documentos deste período para entender como se teve a ideia de produzir brinquedos. Uma explicação possível pode residir na possibilidade dos habitantes do Val Gardena terem tido contacto com os brinquedos produzidos nas regiões vizinhas graças às suas contínuas migrações.
Os primeiros comerciantes: vendedores ambulantes e o estabelecimento destes no estrangeiro
Durante este período nasceu uma figura muito importante para o comércio dos produtos de Val Gardena: o vendedor ambulante. Não tinha um ponto de venda fixo, circulava pelos mercados. Estes vendedores partiam na primaveram levando às costas grandes cestos tradicionais cheios de brinquedos de madeira e regressavam no outono. No inverno retiravam-se para suas casas, para preparar os artigos que iriam vender na primavera seguinte. Rapidamente começaram a empreender viagens mais extensas, pelo que a quantidade de objetos que um só vendedor conseguia transportar já não chegava. Os que conseguiam pôr algum dinheiro de parte estabeleceram-se no estrangeiro, onde podiam vender mais facilmente os produtos adquiridos no vale. Estabeleceram-se assim de preferência nas grandes cidades da Alemanha, Áustria, Itália, Espanha e Portugal. As fortes ligações económicas com estes países e a facilidade na aprendizagem de uma nova língua contribuíram para facilitar o processo de integração.
Alguns não se limitaram a vender os produtos de Val Gardena, tendo agido na qualidade de intermediários, comerciantes de antiguidades e agentes de câmbio, tirando o máximo partido das suas capacidades como comerciantes. Estes emigrantes dispunham também de ajudantes dado que as famílias do vale enviavam os próprios filhos de 14-16 anos para casa de familiares no estrangeiro, a fim de permitir que aprendessem a profissão de comerciantes. Deste modo, muitos jovens beneficiaram de uma formação comercia fora do vale. Estima-se que por volta de 1800, os vendedores ambulantes de Val Gardena estabelecidos no estrangeiro perfaziam 2/3 da população do vale, equivalente a 1200 indivíduos; alguns destes reuniram um considerável conforto económico, entre os quais se contava Melchiorre Ortner, residente em Cuenta, em Espanha, que financiou 300 homens durante a primeira guerra colonial espanhola.
O Val Gardena beneficiou pouco desta riqueza, exceto em caso de morte e consequente distribuição da herança pelos parentes que tinham ficado em casa.
Foram poucos os que se estabeleceram em França, país que teria podido representar um mercado de escoamento mais vantajoso, mas infelizmente, durante a revolução francesa, muitos comerciantes de Val Gardena tiveram de abandonar a sua atividade.
Esta migração em busca de fortuna no estrangeiro terminou finalmente na primeira metade do século XIX. Esta mudança deveu-se principalmente às alterações nas condições comerciais, desde a ampliação das vias de comunicação até aos transportes e sobretudo à introdução do serviço militar obrigatório que impediu os jovens de se afastarem do vale por períodos longos. Outros fatores relevantes foram a construção em 1856 da estrada que estabelecia a ligação entre o vale e a estrada de Brenner e em 1915 a ligação ferroviária do Val Gardena.
Pintura e talha dourada
Entre o século XVII e XVIII desenvolveu-se a indústria da pintura e douragem dos objetos esculpidos. Muitas das figuras eram pintadas pelos próprios escultores, mas as estátuas de maiores dimensões e os altares por vezes eram pintados e acabados em Castelrotto, Funes, Bolzano ou em Bressanone. Os brinquedos mais delicados chegaram a ser enviados para a Baviera para serem pintados. Foi necessário aguardar por finais do século XVIII para que algumas famílias do vale decidissem dedicar-se à pintura e douragem das estátuas. Por essa altura a indústria de Val Gardena atingiu o mais alto nível de perfeição que ainda hoje a torna única e original.
Para agilizar o mais possível a produção e aumentar ainda mais o retorno recorreu-se à divisão de tarefas de pintura em diversas fases: primeiro aplicava-se a primeira demão, depois delineavam-se sucessivamente os olhos, os cabelos, os lábios, botões, sapatos, etc.em resumo, os detalhes mais minuciosos, enquanto as tarefas mais simples eram confiadas às crianças. Entre cada fase as esculturas eram dispostas em bancos junto ao forno para secarem. A fim de evitar a descoloração, era aplicado um tipo de verniz obtido através da mistura de álcool puro e de uma resina de abeto e de larício. A aplicação deste verniz era um procedimento muito perigoso dada a necessidade de aquecer o álcool, e o risco de incendiar toda a casa não podia ser subestimado.
Os primeiros douradores residentes em Ortisei foram Joachim Unterplatzer, Thaddeo Oberbacher e Josef Großrubatscher.
O comerciante
Em meados do século XIX chegou a Val Gardena o modelo de produção do Verlagsystem (sistema doméstico ou "putting-out") que já tinha dado ótimos resultados nas cidades alemãs e austríacas. Com este sistema, a nova classe social de grossistas encomendava trabalhos aos artistas artesãos e depois vendia os produtos sobretudo no estrangeiro. Rapidamente, grande parte das figuras em madeira passou para a posse destes comerciantes que simplificaram a logística comercial e simultaneamente abasteciam de matéria-prima os trabalhadores domésticos, permitindo-lhes assim poupar o tempo despendido com a recolha de madeira. A produção e todos os riscos inerentes eram suportados pelos artesão, mas era ao Verleger (grossista) quem tinha de anunciar os produtos e encontrar compradores. Os primeiros Verleger foram o sacristão Johann Dominik Moroder e o seleiro Josef Purger, ambos de Ortisei. Foram rapidamente seguidos de outros comerciantes também de Selva e de S. Cristina. Inicialmente não lhes foi dada grande importância dado que só recebiam uma pequena fração pelos serviços de expedição, que executavam essencialmente para ajudar os seus parentes que residiam no estrangeiro.
Os comerciantes de Val Gardena compreenderam rapidamente que para poderem incrementar as exportações era necessário uma ligação mais eficaz ao vale. As estradas que comunicavam com ós outros países eram inclinadas e estreitas e um cavalo era capaz de transportar uma carga máxima de apenas 100 kg; eram assim as estradas pelas quais se transportavam os géneros alimentares e os produtos de artesanato até metade do século XIX.
Por volta de 1856 foi construída, sob orientação de Johann Baptist Purger, a estrada de ligação entre Ponte Gardena e Ortisei e depois também a Plan. Toda a população de Val Gardena compreendia a importância desta iniciativa privada e aprovou-a incondicionalmente. As dívidas acumuladas ao longo de toda a obra foram saldadas em 26 anos graças à introdução de uma portagem, a qual se revelou útil mesmo para a cobertura dos custos de manutenção. A abertura de uma estrada que facilitasse a comunicação entre o vale e a montanha e mesmo os outros países não era habitual naqueles tempos, mas graças ao Verleger Johann Baptist Purger foi possível ligar o Val Gardena ao mundo exterior dezenas de anos antes dos outros vales.
Os artesãos domésticos
Enquanto a situação económica dos comerciantes era consideravelmente boa, os artesãos domésticos não gozavam do mesmo bem-estar económico. Os escultores eram mal pagos e tinham de trabalhar de manhã à noite para poder garantir a subsistência de toda a família; as famílias eram normalmente muito numerosas e contribuíam para o trabalho segundo as capacidades de cada um, incluindo as crianças com 6 anos de idade. Estas famílias que interrompiam o trabalho de escultura apenas para trabalhar os campos e para a recolha de feno. Durante o inverno, toda a família, velhos e jovens, homens e mulheres, passavam o dia inteiro na stua (termo ladino para "sala") debruçados sobre o penic (termo ladino para "mesa de escultura") a trabalhar a madeira com os seus scarpiei (termo ladino para "goivas"). Os escultores dependiam completamente das encomendas que lhes eram feitas e tinham pouco poder contratual dado que, embora numerosos, não tinham nenhum tipo de entidade que pudesse lutar e defender os seus direitos.
O desenvolvimento dos escultores graças às escolas
Até meados do século XIX, o processo de aprendizagem da escultura fazia-se de geração em geração, sem qualquer tipo de ajuda ou apoio externo. A ideia de esculpir vários modelos vinha somente dos comerciantes que, melhor que ninguém, conseguiam interpretar a procura nos mercados, mas nem os comerciantes nem os escultores consideravam a hipótese de uma execução dos produtos tecnicamente mais precisa e aperfeiçoada. A produção consistia ainda essencialmente num artesanato doméstico que se subordinava ao setor dominante da agricultura. Os produtos de Val Gardena vendiam-se bem, mas os ganhos dos artesãos domésticos não era suficientes e dependiam fortemente dos Verleger. Estes tinham de conter os preços ao máximo, porque os produtos eram exportados para países cada vez mais longínquos, da Rússia à América, com o consequente agravamento dos custos de transporte.
Foi graças à instituição de uma escola para escultores, ideia brilhante de Rudolf Eitelberger, que a situação do artesanato de Val Gardena melhorou acentuadamente. Os Verleger não ficaram felizes nem também o conselho municipal, presidido por estes. Temiam que a construção de uma escola de escultura afetasse os seus lucros. A situação foi resolvida graças ao interesse do governo austríaco que em 1872 subsidiou a criação de uma escola de escultura em Ortisei por Ferdinand Demetz, que mais tarde foi privatizada. A escola promoveu um decisivo melhoramento técnico e artístico e favoreceu também indiretamente a situação económica dos escultores. No espaço de poucos anos foram construídos várias novas oficinas para escultores e carpinteiros e cresceu também o número de pintores. A construção de altares, negligenciada na primeira metade do século XIX, foi retomada e alguns escultores especializaram-se na decoração de igrejas inteiras. Em termos de lucros e volume de trabalho, Val Gardena ultrapassou as outras localidades tradicionais de escultora em madeira como Oberammergau, Berchtesgaden e Munique.
Em 1894 foi aberta uma escola privada também em S. Cristina dirigida pelo diretor da escola de Ortisei. Um certo professor Raske ensinava desenho e escultura a uma classe de 12 alunos. As esculturas executadas por estes alunos eram depois exportadas e os alunos recebiam uma remuneração mínima diária. A escola privada de S. Cristina fechou ao fim de quatro anos devido à contra-propaganda dos exportadores que viam nesta escola apenas uma ameaça aos seus interesses. Com grande esforço do município de Selva e graças à ajuda do governo austríaco foi criada então uma escola de escultura, desta vez em Selva, onde foram os próprios habitantes a insistir na necessidade de existir uma escola profissional. O edifício foi concluído em 1908 e foi batizado “Scuola Professionale Imperatore Francesco Giuseppe”.
Ao contrário do artesanato que continuava a expandir-se cada vez mais, a agricultura não conseguiu acompanhar o ritmo e perdeu a sua posição como principal fonte de riqueza do vale. O desenvolvimento da escultura verificou-se apenas em Ortisei, desde sempre o centro comercial do vale. Nos ouros municípios e nas localidades de Bulla, Oltretorrente e Roncadizza a situação permaneceu igual: os artesão domésticos especializados na produção de brinquedos continuaram a depender dos grossistas. As numerosas oficinas de escultures que emergiam no vale levaram a um considerável fluxo migratório a partir dos outros vales, como do Val Badia, de Arabba e de outras regiões da Baviera e do império austro-húngaro para Val Gardena. Os imigrantes encontraram facilmente trabalho como escultores, pintores, douradores e carpinteiros e contribuiram para o crescimento da prosperidade económica de Ortisei. Em 1914, em menos de 50 anos, o número de escultores de estátuas tinha passado de 15-20 para 260 entre mestres e alunos. Também cresceu consideravelmente o número de pintores de estátuas, passando de 3-4 para 80-85. Entretanto desenvolveu-se um autêntico setor de carpintaria especializado na construção de altares e na decoração interna de igrejas. Durante estes anos exportava-se para todo o mundo, particularmente para Inglaterra e colónias britânicas, para a Alemanha, Rússia, Japão, China e Austrália, enquanto na Itália e França a situação estagno devido às elevadas taxas aduaneiras.
O comboio em Val Gardena
Com o rebentar da primeira guerra mundial tiveram de encerrar muitas oficinas de escultores e mesmo o artesanato doméstico se ressentiu gravemente. Contudo foi positivo a construção de uma ligação ferroviária que ligava Chiusa a Plan num trajeto de 31 km e ao longo de um desnível de 1072 m. Foi o governo Austríaco a decretar a construção principalmente para reabastecer a artilharia na frente dolomítica no âmbito da aliança Alemanha-Áustria contra a Itália.
A via ferroviária foi assim concluída em 1915 por prisioneiros russos num espaço de tempo record de 4 meses e, para acelerar ainda mais os trabalhos, as pontes e viadutos foram construidos provisoriamente em madeira e só posteriormente em pedra.
Durante muitos anos a via férrea de Val Gardena representou para o vale um valioso meio de transporte e favoreceu ainda o desenvolvimento do turismo e o comércio de produtos em madeira. Barulhento e lento, com o advento do automóvel o comboio foi rapidamente abandonado e no seu trajeto original foi construída uma estrada, enquanto que o seu percurso no interior do vale foi transformado numa via pedonal que liga Ortisei a Santa Cristina e Selva.
Período durante as guerras
A indústria da madeira de Val Gardena teve muita dificuldade em recuperar após as consequências catastróficas da primeira guerra mundial. Perderam-se alguns mercados e a produra de produtos artesanais em madeira desceu para mínimos históricos durante vários anos. Além das dificuldades económicas gerais, sentia-se intensamente a perda de tantos homens que tinham prestado serviço militar. Muitos dos que caíram na frente de batalha eram escultores qualificados ou excelentes artesãos e a falta destes foi sentida durante a fase de reconstrução da indústria da madeira.
A incerteza das perspetivas futuras levou muitos escultores a procurar trabalho nos vales vizinhos ou mesmo na Argentina ou noutros países do mundo. Na sequência da anexação do Alto Adige pela Itália registou-se também uma perda relevante do valor da madeira. Nos primeiros anos do pós-guerra, alguns Verleger preferiam vender a madeira como lenha do que como matéria-prima para a produção industrial. Como único fator positivo, começou-se a dar muito mais importância â qualidade dos produtos acabados. A partir de 1926 deu-se uma primeira retoma das exportações que continuaram a crescer até ao início da segunda guerra mundial.
Também houve uma recuperação no setor das pequenas figuras artesanais com objetos ornamentais de uso comum como saca-rolhas, estojos para canetas, cinzeiros, peças de xadrez, pequenas figuras da Virgem, crucifixos estilizados e outros artigos de recordação. Antes da Grande Guerra, metade da produção era cosntituída por altares e estátuas; estas últimas continuaram a estar presentes na produção e na venda, mas os altares praticamente desapareceram. Para esta situação contribuiu a queda do império austro-húngaro e a consequente perda de importantes mercados que faziam parte da federação. O mercado italiano era muito mais competitivo dada a importância do mármore como matéria-prima alternativa na construção de altares ou de esculturas religiosas para as igrejas.
Um outro segmento de produção que perdeu a sua importância foi o da indústria dos brinquedos. Os Verleger não conseguiram interpretar e satisfazer as novas exigências dos clientes. As empresas que produziam brinquedos de outros materiais constituiam uma forte concorrência.
Foi graças às duas escolas profissionais de Ortisei e de Selva que durante estes anos a escultura de Val Gardena se aperfeiçoou consideravelmente graças a soluções criativas originais e uma maior perfeição técnica. Os esforços das duas comunidades no apoio da criação destas duas escolas foram compensados.
Infelizmente, a elevada qualidade artística dos objetos produzidos não foi suficiente para enfrentar a crise financeira mundial dos anos trinta e também em Val Gardena se viveu um novo período de dificuldades económicas.
Pouco antes da segunda guerra mundial as exportações para os Estados Unidos perfazia metade de toda a produção, logo seguidos da Alemanha e Inglaterra, enquanto apenas 5% dos produtos se destinavam ao território nacional.
Após a segunda guerra mundial
As consequências da segunda guerra mundial foram muito menos graves do que as da primeira e para o fim do conflito alguns membros influentes das tropas americanas contribuíram para a recuperação da procura de esculturas de Val Gardena. O resto do stock ainda nos armazéns foi escoado e rapidamente foram retomados os contactos com o mercado norte-americano. Também a escultura sacra recomeçou a ser solicitada. No início dos anos sessenta eram exportados no mínimo 2/3 das esculturas produzidas, dos quais 75/80% para os EUA. O mercado norte-americano, graças ao elevado número de católicos e à tendência da Igreja para promover uma decoração litúrgica mais simples, mostrou-se particularmente recetivo. A Também as exportações para a América do Sul ultrapassaram as dos estados europeus, incluindo a Alemanha que tinha perdido então o seu papel como parceiro comercial, principalmente durante os primeiros anos do pós-guerra. As sucessivas disposições do Concílio Vaticano II (1962-1965), que promovia estátuas mais sóbrias, levaram durante alguns anos a uma paralisação do mercado.
O comércio de pequenas esculturas em madeira mantinha-se florescente, especialmente em países como os Estados-Unidos, a Alemanha, Suíça e Itália. Comparativamente ao período anterior à guerra, a venda de produtos de pequenas dimensões no mercado interno aumentou até representar 25%.
O artesanato em madeira de Val Gardena tinha então assumido proporções tão elevadas que não havia uma família no vale que não dispusesse dos utensílios necessários para esculpir uma pequena estátua. Em 1965 o setor da escultura em Val Gardena oferecia uma ocupação a cerca de 1800-2000 indivíduos correspondendo a 1/3 da população do vale.
Foram observadas duas tendências: os pequenos artesãos organizavam-se em grupos, enquanto os escultores e os pintores preferiam um trabalho mais individualizado. Assim, as grandes oficinas de escultura que contavam com 15 a 20 alunos, característicos em Ortisei até 1900, foram desaparecendo. Houve três fatores que determinaram esta transformação: o desejo dos escultores em se tornar independentes dos Verleger, uma procura cada vez maior e mais exigente de estátuas de madeira e finalmente motivos de ordem fiscal.
A industrialização da produção de brinquedos e de pequenas figuras
A forte procura de esculturas de Val Gardena após a segunda guerra mundial revelou os limites do sistema de produção do vale. O sistema assente em grossistas (Verleger) não permitia a competitividade num mercado mundial em constante evolução. O velho sistema não permitia aos comerciantes controlas a qualidade e o tempo de fornecimento das esculturas por parte de uma oficina doméstica, as quais tinham de satisfazer as encomendas de vários comerciantes e nem sempre o conseguiam. Além disso havia pouco interesse em renovar a produção dado que era frequente um novo modelo ser copiado por um concorrente. Aos Verleger também não convinha investir em novos produtos pois eram regularmente copiados pela concorrência. Corria-se o risco de não poder satisfazer as exigências dos clientes de um mercado que tinha evoluído e que queria qualidade com tempos de produção rápidos e fiáveis.
Estas novas exigências levaram os comerciantes a assumir eles próprios a produção das esculturas. Recorrendo a maquinaria moderna era possível um considerável aumento da produção de esculturas, uma maior precisão e consequentemente maiores lucros. Podia-se assim garantir uma entrega pontual das encomendas.
Anton Riffeser é reconhecido por ter um "faro" comercial verdadeiramente invulgar. A história de Riffeser é um outro exemplo de como o espírito de iniciativa individual é essencial para o desenvolvimento de uma tradição artesanal secular. A empresa ANRI (ANton RIffeser), nascida em 1925, foi a primeira fábrica que enfrentou com coragem os desafios de uma gestão até então desconhecida. Após a segunda guerra mundial, esta empresa foi ampliada e foram adquiridas as primeiras máquinas como as fresas para pantógrafo, para o esboço das esculturas. A empresa Anri foi também a primeira no vale a ter um sistema de secagem da madeira e abriu uma sucursal na Alemanha. Durante muitos anos a sua importância na economia do vale revelou ser determinante, proporcionando trabalho a numerosos habitantes do vale. Em 1952 contava com 50 empregados, em 1955 o número subiu para 150, dois anos depois para 230 e em 1965 chegou aos 280. A Anri ainda hoje existe, mas a sua importância na estrutura social de Val Gardena diminuiu também devido a empresas de gestão familiar como a BERGLAND.
Um outro exemplo de industrialização encontra-se na SEVI (SEnoner VInzenz), especializada na produção de brinquedos em madeira. Os edifícios de gestão encontravam-se em S. Cristina, enquanto o estabelecimento foi construído na zona de Pontives, à entrada do vale.
Nestas fábricas - ANRI e SEVI - escultores e pintores trabalhavam nos mesmo estabelecimento. A novidade residia nos instrumentos de trabalho e na maquinaria que eram postos à disposição pelos empregadores que oferecia também um salário mensal aos seus empregados. Inicialmente, quando confrontados com as fábricas, as opiniões eram de crítica e de dúvida mas com o tempo os habitantes foram-se apercebendo das vantagens que oferecia um trabalho dependente. Um empregado recebia um salário fixo, tinha direitos em caso de doença e de acidentes de trabalho, recebia prémios, subsídio de família e uma pensão e executava o seu trabalho em espaços cómodos e luminosos. Até então estas condições de trabalho eram desconhecidas dos escultores e dos pintores.
Nestes últimos anos, contudo, tem-se verificado uma tendência contrária, as grandes empresas industriais deparam-se com dificuldades cada vez maiores. Os trabalhos detalhados, como o acabamento das figuras, a montagem das peças e a pintura das esculturas, são executados obrigatoriamente à mão. Assim, as empresas de grandes dimensões não arriscam a enfrentar facilmente os momentos de crise devido aos elevados custos fixos e a uma menor flexibilidade empresarial. Não alcançar o volume de vendas previsto significa despedir empregados e, em caso extremos, pode implicar o fim da atividade como já aconteceu, por exemplo, com a SEVI. Por este motivo, nos últimos anos têm-se vido a afirmar empresas pequenas, familiares que podem contar com uma maior flexibilidade, os seus produtos originais e de qualidade, além de uma excelente relação com os clientes e sobretudo uma considerável contenção dos custos. Quase se pode falar de um retorno ao sistema dos Verleger: as empresas oferecem uma comissão ao artesão doméstico e vendem as esculturas produzidas sob a sua própria marca.
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